A CNBB acaba de lançar nova edição do código canônico (CIC). Ou melhor: nova tradução do referido código! Infelizmente, não se publicou o texto latino. Como pode ser isto? A lei exponencial da Igreja encontra-se vazada em latim, não em português. A tradução é mera referência para o operador do direito. Não é a lei canônica; é, na melhor das hipóteses, sombra pálida do código.

Com o uso do chamado papel-bíblia, não creio que a publicação bilingue (latim e português) encarecesse demais o produto. Mas, é lamentável veicular tão somente a tradução, por melhor que seja! Ora, a instrução da comissão Ecclesia Dei, datada de 30/4/2011, contém veemente incentivo para a retomada do estudo do latim nos seminários e nas faculdades de teologia, não só em vista da celebração do rito extraordinário. De qualquer forma, para o direito canônico, o estímulo é evidente, porque os dois códigos canônicos estão escritos em latim. Assim, publicar só a tradução do código vai de encontro ao desiderato do Vaticano para a retomada do estudo da língua de Cícero.  

Quer trabalhando em cima de processos, quer estudando e elaborando artigos científicos, ou mesmo lecionando, sempre direcionei o foco para o texto em latim, traduzindo-o, sim, com o ajutório de diversas edições bilingues, principalmente das espanholas. Porém, o texto único é o latim.

Não há dúvida de que precisamos de tradução adequada, fiel aos cognatos latinos, uma vez que o português é idioma derivado do latim. Sorte nossa! Ficamos, às vezes, bem perto da expressão linguística do código. Exemplo: no cânon 225, § 2º, é muito melhor e consentâneo com a língua pátria, traduzir "imbuo, imbuere" por "imbuir", e não por "animar", como encontramos em famosa edição bilingue do código canônico. "Imbuir", português castigado, tem idêntico étimo do latim "imbuo, imbuere". Assim: "Têm [os leigos] o ofício peculiar, segundo a própria condição, de imbuir e aperfeiçoar a ordem das coisas temporais com o espírito evangélico (...)". Todavia, o texto latino tem de estar ao lado, para não induzir o operador do direito canônico em fantasias jurídicas, sobre as quais expenderemos logo abaixo.

Tenho advogado a tese – acho que sou o único a fazê-lo – da conveniência e oportunidade de o código canônico ter o inglês como texto oficial, pois esta é a língua internacional da contemporaneidade. Como é da índole de qualquer lei ser conhecida por quem deve observá-la, penso que, por exemplo, seja muito mais acessível o idioma inglês a um católico de Tóquio do que o latim. O inglês é a segunda língua em muitos países da Europa e, mesmo no Brasil, tem-se difundido bastante. Redigi artigos científicos acerca deste tema, o último deles, "The languague of the Code of Cannon Law", publicado na revista "Teka" (2016), da Polish Academy of Sciences, e republicado na revista "Suprema Lex", da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo. Sem embargo, o código canônico oficialmente em inglês é possibilidade um tanto quanto remota!

O que me preocupa com a nova edição do código da CNBB (melhor dizendo: tradução do código) é a tendência que tal empresa está a revelar. E aqui voltamos, para findar este artigo, ao ponto ao qual me referi linhas acima: as fantasias jurídicas. Tudo leva a crer que no Brasil simplesmente deitou-se por terra o latim e se debruça em uma lei fantasiosa, que não existe, isto é, a tradução do código canônico. Bem revela o perigo deste modus procedenti o conhecidíssimo adágio italiano: "traduttore traditore!". Pergunto: será que nos tribunais, nas cúrias, nos cursos de direito canônico etc. estão aplicando esta lei inexistente, que é a versão portuguesa do código latino, a ponto de a conferência episcopal respaldar a publicação da tradução do código e nomeá-la Código de Direito Canônico?

 

Edson Luiz Sampel

Professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo (da Arquidiocese de São Paulo)