Se pararmos para pensar, notaremos que há uns vinte ou vinte e cinco anos, os órgãos coletivos da sociedade civil (parlamentos, tribunais, conselhos de classes etc.) eram compostos somente por homens. Não havia mulheres nesses sodalícios. Hoje em dia, as cortes de justiça, por exemplo, são integradas por cinquenta por cento de mulheres. Os cargos públicos mais relevantes, tais como, juiz, promotor, advogado, eram ocupados por homens. Contemporaneamente, a título de exemplificação, reparamos que existem inúmeras juízas e promotoras de justiça. Aliás, uma mulher já ascendeu à suprema magistratura do Estado, tornando-se presidenta da república. Não vamos discutir se a mencionada reviravolta do sexo feminino constituiu algo positivo ou negativo. É certo, contudo, que a família se ressente do afastamento da mulher do lar. A propósito, grande parte das mães, por estrita necessidade econômica, deixa de lado as tarefas exclusivamente domésticas, para exercer profissão fora de casa.   

A Igreja católica é a única instituição no ocidente que não admite mulheres na hierarquia. Feministas de todos os naipes tentam debalde quebrar o que alegam ser hegemonia machista. Pugnam pela ordenação de mulheres. De qualquer forma, o argumento precípuo, contrário à ordenação feminina, é de caráter tradicional e bíblico. Jesus podia ter escolhido mulheres; elegeu só varões (os doze apóstolos). Não estava o messias influenciado pelo machismo de seu tempo, como dizem as feministas, porque em outras ocasiões, desafiou os costumes e se aproximou de mulheres.

Não se deve, entretanto, negar que a Igreja, respeitando as idiossincrasias do belo sexo, é uma das sociedades que mais valorizam e protegem a mulher. As senhoras estão em todos os quadrantes da grei católica, como religiosas e leigas que vivem e testemunham o evangelho. Não nos esqueçamos, outrossim, das teólogas, as quais refletem acerca da doutrina cristã desde uma cosmovisão feminil. Hoje em dia, fala-se até em criar uma mulher cardeal.    

Houve antigamente diaconisas na Igreja.  Explica o pe. Bernardo Bartmann: “As diaconisas da antiga Igreja ocupavam-se da instrução das mulheres catecúmenas, auxiliavam no batismo de imersão das mulheres, vigiavam a porta das mulheres, durante a liturgia, e dedicavam-se às obras de caridade.” (“Teologia Dogmática”, vol. 3, p. 377). Sem embargo, as referidas diaconisas não eram ordenadas, isto é, não recebiam o sacramento da ordem.

Observe que dado interessante nos reporta Bartmann: “(...) os nomes de ‘sacerdotisa’ e ‘episcopisa’ não autorizam a pensar numa ordem sacerdotal. Estes títulos designam as mulheres ou as mães dos sacerdotes e dos bispos, sobretudo quando renunciando voluntariamente a seu matrimônio, elas permitiam ao marido abraçar o estado sacerdotal.” (Idem, p. 377, in fine).

Em que pese à vastíssima cooperação da mulher na Igreja, poder-se-ia igualmente pensar na repristinação do ministério de diaconisa, nos moldes em que era exercitado na antiguidade, conforme a tradição eclesial. Por outro lado, a Ordinatio sacerdotalis obstaculiza a ordenação “sacerdotal” das pessoas do sexo feminino; nada fala em detrimento de as mulheres receberem o sacramento da ordem no primeiro grau (diaconia). Se não, vejamos:

 

“Portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cfr Lc 22,32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ‘ordenação sacerdotal’ às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja” (n. 4).

 

Não é da competência do direito canônico imiscuir-se em seara ainda não desvendada pelos teólogos, porém, a temática em apreço, sem sombra de dúvida, possui relevância jurídico-constitucional.

Particularmente, vejo com bons olhos eventual reinserção na disciplina da Igreja das diaconisas. No fundo, subsiste certa imperiosidade de mulheres provisionadas, as diaconisas, ordenadas ou não, arrostarem institucionalmente as demandas femininas na Igreja. Ao lado das freiras ou irmãs de caridade, essas “diaconisas permanentes” refulgiriam o maravilhoso rosto feminino da Igreja.

 

Edson Luiz Sampel

Professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo (da Arquidiocese de São Paulo).

Consócio 108/91.