Jo 8, 1-11

Meus caros irmãos e irmãs,

Chegamos ao quinto domingo da quaresma e a Liturgia da Palavra nos propõe, para nossa reflexão, o episódio evangélico de Jesus que salva uma mulher adúltera da condenação à morte (Jo 8,1-11).  O texto nos apresenta uma disputa entre Jesus e os escribas e fariseus, a propósito de uma mulher surpreendida em adultério flagrante. Segundo a prescrição contida na Lei de Moisés (cf. Lv 20,10 e Dt 22,22-24), são condenados à lapidação o homem e a mulher em adultério. A Lei deve ser aplicada? É este o problema apresentado a Jesus. Para os escribas e fariseus, trata-se de uma oportunidade para testar a ortodoxia de Jesus e a sua fidelidade às exigências da Lei.

Inicialmente Jesus é chamado pelos fariseus de "mestre" e lhe interrogam se é justo lapidar a mulher surpreendida em adultério. Eles conhecem a sua misericórdia e o seu amor pelos pecadores, e estão curiosos para ver como reagirá num caso como este, que segundo a Lei mosaica não deixava espaço a dúvidas. E se alguém falasse contra as prescrições da Lei, seria considerado injusto.  Caso Jesus manifestasse a sua concordância com a Lei, colocava em contraste a sua bondade e a sua misericórdia; e se decidisse por conceder liberdade à mulher, não estaria cumprindo as prescrições da Lei.

Diante da questão apresentada, Jesus parece silenciar e põe-se a escrever no chão palavras misteriosas, que o evangelista não revela. A interpretação desse ato de Jesus nos leva a pensar a respeito da fragilidade do julgamento, pois o que se escreve na poeira da terra será apagado pelo vento ou pelo caminhar dos ou animais.  Com isto, Jesus pode querer mostrar o frágil valor do julgamento realizado pelos escribas e fariseus, contudo, após algum tempo escrevendo na terra, pronuncia a frase que se tornou famosa: "Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe lançar uma pedra" (Jo 8, 7). Com o seu silêncio, Jesus parece também convidar cada um a refletir sobre si próprio. Por um lado, convida a mulher a reconhecer a culpa cometida; por outro, convida os seus acusadores a não se subtraírem ao exame de consciência.  Com estas palavras Jesus levou os acusadores da mulher a refletir sobre si próprios. Foram eles atingidos por estas palavras e, por isto, um a um se retiraram.

A cena é cheia de dramaticidade: das palavras de Jesus depende a vida daquela mulher, mas também a sua própria vida. De fato, os acusadores fingem confiar a ele o julgamento, mas na realidade é precisamente a ele que querem acusar e julgar. Jesus sabe o que está no coração de cada homem, deseja condenar o pecado e salvar o pecador. O pecado não é um caminho aceitável, pois gera infelicidade e rouba a paz. Enquanto os acusadores o interrogam com insistência, Jesus inclina-se e põe-se a escrever com o dedo no chão. Observa Santo Agostinho que aquele gesto mostra Cristo como o legislador divino: de fato, Deus escreveu a lei com o seu dedo nas tábuas de pedra (cf. S. AGOSTINHO, Comentário ao Evangelho de João, 33,5). Portanto Jesus é o Legislador, é a Justiça em pessoa.

Quando os acusadores "foram saindo um por um, a começar pelos mais velhos" (v. 9), Jesus absolve a mulher do seu pecado e a introduz numa vida nova, orientada para o bem e diz à mulher: "Nem eu te condeno; vai e doravante não tornes a pecar" (v. 11).  Deus deseja para nós apenas o bem e a vida. Ele provê a saúde da nossa alma por meio dos seus ministros, libertando-nos do mal com o Sacramento da Confissão, para que ninguém se perca, mas todos tenham a ocasião de se converter. Quando os escribas e fariseus se retiraram, Jesus nem sequer perguntou à mulher se ela estava ou não arrependida, mas a convidou a seguir um caminho novo, um caminho de luz, na confiança de libertar-se do erro e do pecado, a partir do amor e do perdão oferecido por Deus.

Podemos observar que Jesus não rejeita a Lei, pede somente aos escribas e fariseus para ter um olhar sobre a própria vida antes de olhar a mulher e a condenar. Os detratores acabam por se condenar a si mesmos e se retiram, reconhecem que são pecadores, a começar pelos mais velhos… E à mulher pede para não voltar a pecar, dá a ela uma nova oportunidade.

Este fato pode se apresentar em inúmeras situações análogas em todas as épocas da história. Uma mulher é deixada sozinha, é exposta diante da opinião pública com “o seu pecado”, enquanto por trás deste “seu” pecado se esconde um homem pecador, culpado pelo “pecado do outro”, ou seja, co-responsável por este mesmo pecado. Às vezes ele passa a ser até acusador, esquecido do próprio pecado. Quantas vezes, de modo semelhante, só a mulher parece levar a maior culpa pelo erro. No caso da mulher adúltera, observa-se que ela foi abandonada e entregue à morte. Onde estava o homem com quem ela praticou o adultério? A Lei prescrevia apedrejar os adúlteros, então ele deveria também estar ali.

Lancemos um olhar para o momento da criação, quando Deus criou o homem e a mulher. A mulher foi confiada ao homem com a sua diversidade feminina, e também com a sua potencial maternidade. Também o homem foi confiado pelo Criador à mulher. Foram reciprocamente confiados um ao outro como pessoas feitas à imagem e semelhança do próprio Deus. Nesse ato de confiança está a medida do amor, do amor esponsal: para tornar-se “um dom sincero” um para o outro. Após o pecado original, forças opostas operam no homem e na mulher. O sexto mandamento da Lei de Deus nos diz: “Não cometerás adultério” (Ex 20, l4). E o próprio Cristo ainda completa no Sermão da montanha: Todo aquele que olhar para uma mulher com mau desejo, já cometeu adultério com ela no seu coração” (Mt 5,28). Estas palavras, dirigidas diretamente ao homem, mostram a verdade fundamental da sua responsabilidade em relação à mulher: pela sua dignidade, pela sua maternidade, pela sua vocação. Por isso, cada homem deve olhar para dentro de si e ver se aquela que lhe é confiada na mesma humanidade, como esposa, não se tenha tornado objeto de adultério no seu coração; por isto a mulher não pode ser tomada como objeto de prazer, de exploração por parte do homem (cf. S. JOÃO PAULO II, Carta Apostólica “Mulieris Dignitatem”, n. 13).

Podemos lembrar que no momento da criação, disse o Senhor: “O homem deixará o seu pai e a sua mãe para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne” (Gn 2,24). Desta união procedem todas as gerações humanas. O adultério designa a infidelidade conjugal.  Os profetas, no Antigo Testamento, já denunciavam a sua gravidade e viam no adultério um grave pecado, uma vez que quem o comete, falta aos seus compromissos, viola o vínculo matrimonial, lesa o direito do outro cônjuge e atenta contra a instituição do matrimônio. Compromete o bem da geração humana e dos filhos que têm necessidade da união estável dos pais (cf. CIgC, nº 2381).

O Evangelho deste domingo nos faz ainda compreender que o nosso verdadeiro inimigo é o apego ao pecado, que pode levar-nos ao fracasso da nossa existência. Jesus despede-se da mulher adúltera com esta exortação: “Vai, e doravante não tornes a pecar". O episódio põe em relevo, por outro lado, a intransigência e a hipocrisia do homem, sempre disposto a julgar e a condenar os outros.

Aprendamos com o Senhor Jesus a não julgar e a não condenar o nosso próximo. Como Cristo, estejamos também dispostos a perdoar, imitando seus gestos e atitudes. Se é verdade que Deus é justiça, não podemos esquecer que ele é, sobretudo, amor.  Se ele odeia o pecado, é porque ama infinitamente cada pessoa humana. Ama cada um de nós, e a sua fidelidade é tão profunda que não se deixa desanimar nem sequer pela nossa rejeição.

Neste caminho quaresmal que estamos a percorrer e que se aproxima rapidamente da sua conclusão, sejamos acompanhados pela certeza de que Deus nunca nos abandona, e que o seu amor é nascente de alegria e de paz; é força que nos impele poderosamente ao longo do itinerário que percorremos rumo à perfeição.

Não paremos e nem abrandemos os nossos passos em direção à santidade de vida. Pelo contrário, orientemo-nos com todas as forças em direção à meta para a qual Deus nos chama. Peçamos a nossa Senhora que nos ajude a abrir o nosso coração ao arrependimento de nossas faltas e que ela interceda sempre por nós, agora e na hora do nosso encontro definitivo com Cristo. Assim seja.

 

  1. Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ