Mc 9,29-36

 

Caros irmãos e irmãs,

O texto evangélico que a Igreja nos convida a refletir para este domingo nos mostra Jesus a caminho de Jerusalém.  Ao longo desse itinerário Jesus vai catequizando o seu grupo de discípulos, ensinando a eles os valores do Reino de Deus e mostrando, com gestos concretos, o projeto que o Senhor tem para toda a humanidade. Jesus começa anunciando mais uma vez aos seus discípulos o caminho pelo qual terá que passar: paixão, morte e ressurreição (cf. Mc 9, 30-31). Ao longo do texto observamos que fica evidenciado o forte contraste entre a mentalidade de Jesus e a mentalidade dos seus doze Apóstolos, que não compreendem as palavras do Mestre e rejeitam a ideia de que ele vá ao encontro da morte (cf. Mc 8, 32). Entretanto, discutem entre si sobre quem deve ser considerado "o maior" (cf. Mc 9, 34).

A catequese de Jesus é feita com paciência, ressaltando que: "Se alguém quiser ser o primeiro, há de ser o último de todos e o servo de todos" (Mc 9, 35). É esta a identidade do amor que se faz serviço até à entrega de si mesmo.  Jesus faz aos seus discípulos uma pergunta aparentemente indiscreta: “Que discutíeis pelo caminho?” (Mc 9,33). Eles ficaram em silêncio porque, no caminho, tinham discutido uns com os outros sobre qual deles era o maior, quem era o mais importante. Sentiam vergonha de dizer a Jesus aquilo de que estavam a falar.

É esta uma das principais mensagens que Jesus quer nos deixar para este domingo, a partir de uma pergunta feita aos seus discípulos: “Que discutíeis pelo caminho?” (v. 33). A discussão, de fato, mostra uma certa indiferença dos discípulos com relação ao caminho de Jesus, que é o caminho da dor, do sofrimento, da cruz.  É este o caminho pelo qual eles também estão chamados a ir.

Jesus é simples na sua resposta: “Se alguém quiser ser o primeiro, ou seja, o mais importante, há de ser o último de todos e o servo de todos” (Mc 9,35). Quem quiser ser grande, sirva os outros e não se sirva dos outros. E este é o grande paradoxo de Jesus. Os discípulos discutiam sobre quem deveria ocupar o lugar mais importante, quem seria selecionado como o privilegiado.

O convite ao serviço apresenta uma peculiaridade a que devemos estar atentos. Servir significa, em grande parte, cuidar da fragilidade. Servir significa cuidar dos frágeis das nossas famílias, da nossa sociedade, do nosso povo.  Todos somos convidados, encorajados por Jesus a cuidar uns dos outros por amor.

Os discípulos de Jesus estavam imbuídos deste sentimento de honra e glória, uma vez que se aproximava o triunfo do Messias e iam ser distribuídos os postos-chave na cadeia de poder do reino messiânico, por esta razão, convinha ter o quadro hierárquico claro. Apesar de Jesus ter dito pouco antes sobre seu caminho de cruz, os discípulos recusavam-se a abandonar os seus próprios sonhos materiais e humanos.  Esta preocupação dos discípulos de Jesus afeta a essência da proposta apresentada pelo próprio Cristo. Na comunidade de Jesus, só é grande aquele que é capaz de servir e de oferecer a vida aos seus irmãos (v. 35). Dessa forma, Jesus exclui qualquer pretensão de poder, de domínio, de grandeza, segundo a lógica do mundo, pois sabe que isto contradiz a proposta de Deus.

Mas Jesus diz: “Se alguém quer ser o primeiro...”.  Portanto, é ilícito querer sê-lo! O que Jesus muda radicalmente é o motivo desse desejo e, portanto, também o modo de realizá-lo: “Seja o último de todos e o servo de todos” (v. 35). Os homens querem ser os primeiros: é um desejo inato, primordial: não é nem sequer um mau desejo; no fundo, coincide com o desejo de ser, de valorizar a própria existência, de subir mais alto.  Isso, em todos os campos. Mas é preciso que junto a isto esteja a disposição em servir o outro. Por isso, seguir o Senhor exige sempre do homem uma profunda conversão, uma mudança do modo de pensar e de viver, requer que abramos o coração à escuta, para nos deixarmos iluminar e transformar interiormente.

Jesus foi o primeiro a nos dar um exemplo: “Eu estou no meio de vós, como aquele que serve” (Lc 22,27).  Ele também disse: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em redenção por muitos” (Mc 10,45). E ele, que era Deus, isto é, o primeiro, fez-se servo, isto é, o último (cf. Fl 2,6-7).  E depois de lavar humildemente os pés de seus apóstolos, disse-lhes: “Eu vos dei o exemplo, para que, assim como eu fiz, vós também façais” (Jo 13,15).

Aos olhos de Deus é realmente o primeiro aquele que se dispõe a estar a serviço de todos.  Não se trata de um servir com segundas intenções ou até visando uma promoção. Deus considera o primeiro aquele que em seu interior, com toda a sinceridade, assume uma posição de disponibilidade em relação aos demais.  Os postos mais importantes não devem ser um meio de alcançar poder ou domínio sobre os demais, mas sim, um meio de servir a todos.

Jesus completa a instrução aos discípulos com um gesto… Toma uma criança, coloca-a no meio do grupo, abraça-a e convida os discípulos a acolherem as “crianças”, pois quem acolhe uma criança acolhe o próprio Jesus e acolhe o Pai (v. 36-37).  Em certa ocasião, quando foram apresentadas a Jesus algumas crianças, os discípulos as repreenderam, mas Jesus, ao contrário, fez com que elas permanecessem com ele e afirmou que só quem é como elas pode entrar no Reino de Deus (cf. Mc 10,13-16).  

Na sociedade palestina de então, as crianças eram seres sem direitos e não eram contadas, a partir do ponto de vista legal.  Por sua insignificância social, elas eram equiparadas aos pequenos, sendo, portanto, um símbolo dos débeis, dos sem direitos, dos pobres, dos indefesos, dos insignificantes, dos marginalizados. São esses, precisamente, que a comunidade de Jesus deve abraçar.

No contexto da conversa que Jesus mantém com os discípulos, o gesto de Cristo significa o seguinte: o discípulo de Jesus é grande, não quando tem poder ou autoridade sobre os outros, mas quando ama, quando serve os pequenos, aqueles que o mundo rejeita e abandona. No pequeno que se acolhe, é o próprio Jesus que se torna presente. Por isto, ele também disse: “Quem se faz pequeno como esta criança, esse é o maior no reino dos céus” (Mt 18,4).  Daí compreendemos que se chega ao reino pela humildade e pela simplicidade.

Quem quiser preceder o irmão no reino de Deus, deve precedê-lo primeiro no serviço, na honra, como nos exorta também o apóstolo São Paulo: “Rivalizai-vos mutuamente na estima” (Rm 12,10).  Esta deve ser a ideia central do cristianismo: retribuir com amor a quem nos ama e com paciência a quem nos ofende.

Na nossa sociedade, os primeiros são os que têm dinheiro, os que têm poder, os que frequentam as festas importantes, os que se vestem segundo as exigências da moda, os que têm sucesso profissional.  Mas, para Jesus, “quem quiser ser o primeiro, será o último de todos e o servo de todos” (Mc 9,35). Na comunidade dos cristãos, a única grandeza é a grandeza de quem, com humildade e simplicidade, faz da própria vida um serviço aos outros. Jesus não se identifica com os grandes, mas com os pequenos.

Peçamos a Deus, com confiança, a sabedoria do coração, por intercessão de quem acolheu em seu seio e gerou a Sabedoria encarnada, Jesus Cristo, nosso Senhor, ela, a Virgem Maria, que se fez a Serva do Senhor, a quem possamos também imitar, pedindo que nos dê o dom da humildade e faça crescer sempre mais a nossa união com ele, que a todo o momento nos chama a tomar a nossa própria cruz e segui-lo. Assim seja.

 

  1. Anselmo Chagas de Paiva,OSB

Mosteiro de São Bento/RJ