Clericalizar o leigo é um verbo conjugado tanto por certos padres e bispos quanto pelos próprios leigos. Trata-se de ação ruim, que contrasta com o papel do leigo. A missão do leigo é animar e aperfeiçoar a ordem temporal com o espírito do evangelho (cânon 225, §2º do CIC). Neste “ano do laicato”, quase findo, pouco ou nada se falou acerca do que Deus espera do leigo. Discorreu-se, isto sim, a propósito do que alguns membros da hierarquia esperam do leigo.

Muitos bispos e párocos esperam que o leigo seja catequista, ministro extraordinário da comunhão eucarística, enfim, que o leigo dê uma mão (uma mãozona) nas atividades pastorais e litúrgicas. E só! Assim, hipertrofia-se a dimensão intraeclesial do múnus do leigo e, de outra banda, em detrimento da doutrina do  Concílio Vaticano II, atrofia-se o programa vocacional típico do leigo, consubstanciado na secularidade. Destarte, muita vez, clericaliza-se sobremaneira o leigo, a ponto de fazê-lo trajar vestes talares, jalecos e quejandos. O leigo incônscio do autêntico múnus laical sente-se confortável no cumprimento das tarefas intraeclesiais e, um ou outro at& amp; eacute; se acha mais santo, gente da primeira linha na paróquia. Afinal de contas, durante a missa, geralmente o leigo (“coroa”) ocupa o lugar do menino (coroinha) no presbitério, ao redor do altar.

O que Deus espera do leigo encontra-se expresso no magistério da Igreja fundada por Jesus Cristo (sumariado no Catecismo da Igreja Católica) e, também, no ordenamento jurídico dessa sociedade bendita (direito canônico). Isto posto, no ano do laicato, prestes a chegar ao ocaso, em minha opinião, os bispos devem inculcar o nobilíssimo labor que o leigo precisa levar a cabo na política, na economia, no trabalho, em família etc. Os pastores têm de enfatizar o que Deus espera do leigo. Afinal de contas, se a sociedade política padece de tantos problemas, a culpa, em parte, é do leigo, que não se esmera em zelar e velar pelo bem comum, recristianizando as realidades temporais.  

A clericalização do leigo, cancro fétido, diagnosticado e prognosticado indireta, mas energicamente pelos padres do Concílio Vaticano II, que enalteceram a secularidade do católico comum, será idoneamente remediado no que se convencionou chamar “ano do laicato”? Clericalizar o leigo ainda continua a ser prática comum nos meios eclesiais.   

Edson Luiz Sampel

Professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo (da Arquidiocese de São Paulo)

Consócio da Sociedade Brasileira de Canonistas (SBC)