No dia 18 de janeiro de 2018, em vigem de avião entre duas cidades do Chile, o papa Francisco celebrou um casamento a bordo da aeronave. Casaram-se dois tripulantes. O que pensar do gesto do pontífice romano?

Os que têm prazer em denegrir a imagem de Francisco apressaram-se em afirmar que o papa agiu mal, pois contrariou a si mesmo, já que na Amoris Laetitia existe a recomendação para que os noivos sejam bem-preparados para o sacramento do matrimônio. Alguns indagaram: de que adianta o diretório litúrgico, se o próprio papa muda tudo?

O papa não procedeu mal! Antes de mais nada, é bom ter em mente que o sacramento do matrimônio não é administrado por nenhum padre, nem mesmo pelo papa. O referido sacramento é administrado pelos nubentes, isto é, pelo homem e pela mulher que se casam. Um administra o sacramento ao outro. Os cônjuges são os ministros do sacramento (Cânon 1055, §1.º).   

Somente a partir do Concílio de Trento (século XVI), a forma do matrimônio (Cânon 1108) passou a ser exigência para a validade. A forma consiste em três elementos, os dois últimos indispensáveis: 1) celebração religiosa (liturgia), 2) presença de ao menos duas testemunhas e, 3) o elemento principal e mais importante: manifestação do consentimento dos noivos diante da testemunha qualificada (o padre que preside a cerimônia). No avião papal havia os três mencionados elementos. Não é a pompa e a circunstância que garantem a validade do sacramento do matrimônio!

Pergunta-se: então, qualquer padre, doravante, poderá celebrar casamento em aviões, navios, trens etc.? A resposta é negativa. Tal tipo de celebração só deve ser realizada em caso de urgência ou com autorização expressa do bispo competente. O papa, é óbvio, por ser sucessor de são Pedro, tem poder supremo, pleno, imediato e universal (Cânon 331).

No que diz respeito à admoestação da Amoris Laetitia para que os noivos sejam previamente acompanhados pela comunidade paroquial, a fim de discernirem sobre a vocação do casamento (n. 207), tal regra, evidentemente, não se aplica ao caso dos dois comissários do jato em que viajava o papa Francisco, porquanto eles viviam maritalmente (casados no civil) e haviam procriado duas filhas.  Além disso, nem da ata do casamento canônico o papa se esqueceu. Tudo perfeito!

Edson Luiz Sampel

Professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo. Membro da Sociedade Brasileira de Canonistas (SBC)."