Vã pretensão, senão arrogância, o pensamento de certos juristas que não dão ao simples súdito a oportunidade de interpretar escorreitamente a lei. O direito material, como, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, pode e deve ser interpretado e manuseado por qualquer cidadão. Na prática, vemos que a salvaguarda do consumidor incrementou-se exatamente porque o leigo abriu o código, leu-o, assimilou seus direitos e colocou-os na ordem do dia. O mesmo fenômeno benfazejo se deu no que tange à constituição em vigor, alcunhada de “constituição cidadã”, porquanto a interpretação da carta política não se encontra jungida ao labor dos cientistas do direito.

Os cientistas do direito desempenham decerto tarefa assaz relevante. Têm eles o mister de estudar as leis, burilando-as das excrescências ou imperfeições. Outrossim, incumbe-lhes o papel de compaginar o direito posto com o direito natural. Sem embargo, não detêm os legistas o monopólio da exegese. A hermenêutica deficitária levada a cabo pelo campônio não é uma falsa hermenêutica, mas é o modo de determinado cidadão, situado em certo contexto, cumprir os deveres e exercer os direitos emanados pela norma jurídica.

Neste sentido, goza de grande importância a interpretação que há nome literal. Aliás, exemplificativamente, o próprio artigo 111 do Código Tributário Nacional determina este jaez de interpretação em alguns casos. O que está escrito na lei, se vertido em linguagem correta, elegante, simples e autoexplicativa, pode ser compreendido por um médico, advogado, pedreiro ou professor de direito. Não se há de fazer acepção de súditos! Desta feita, o advogado, especialista em leis (e, principalmente, versado em direito processual), intervirá tão somente na hipótese de que a legislação não seja respeitada. Não se faz necessário contratar um causídico para interpretar a lei!

Assim, alguns operadores do direito, por motivos variegados, inculcam na sociedade a ideologia (ideia falsa) de que as leis não podem ser interpretadas pelo homem comum, mas só por quem frequentou uma faculdade de direito. Subestima-se, destarte, a inteligência da população. Todos são néscios! Diga-se de passagem, no Brasil consideram-se analfabetos os que não se sentiram vocacionados a fazer uma faculdade. Que absurdo! Como se adentrar uma faculdade provasse algum apanágio intelectual!

Quanto mais compatriotas dispuserem de uma constituição federal em casa, tanto melhor para o robustecimento da cidadania em nosso país! Mutatis mutandis, afirmaremos o mesmo em relação ao código canônico (CIC): em que pese ao latim como língua codicial, ainda que tateando as traduções, o católico corrente, máxime o leigo, precisa ler o código, relê-lo, sem treslê-lo, é claro, a fim de adquirir, paulatina e ruminantemente, a sensibilidade eclesial e, acima de tudo, desvelo pelo cumprimento das obrigações e zelo pelo exercício dos direitos.

Edson Luiz Sampel
Professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo
Membro da Sociedade Brasileira de Canonistas (SBC).