Caros irmãos e irmãs,

O Evangelho deste domingo traz um relato onde sobressaem as personagens femininas, que são duas irmãs, Marta e Maria, que vivem em Betânia com o irmão Lázaro, que, contudo, neste caso não parece. Jesus passa pela sua aldeia e, segundo o texto, Marta o hospeda. Este pormenor dá a entender que, das duas, Marta é a mais idosa, a que governa a casa. De fato, depois de Jesus ter entrado, Maria senta-se aos seus pés e ouve-o, enquanto Marta andava atarefada com muitos serviços, certamente devido à presença do ilustre hóspede.

Parece que vemos a cena: uma irmã que anda toda atarefada, e a outra atenta à presença do Mestre e das suas palavras. Um pouco depois Marta não resiste e protesta: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!”. Mas Jesus, com calma, responde: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada” (v. 42).

A cena é profundamente humana.  Jesus é hóspede em casa desta família amiga.  Marta se esforça para dar conta do serviço caseiro, enquanto Maria, sentada aos pés de Jesus, escuta a sua palavra.  Podemos notar que ao responder a Marta, Jesus não condena sua atividade e seu zelo pelo serviço a sua pessoa, mas a adverte de um perigo: a inquietação da qual pode ser vítima.  Ao dizer “Marta, Marta...”, exprime nesta repetição do nome um sinal do afeto de Jesus para com ela e um meio de torná-la mais atenta à lição que ele quer dar.   Jesus a censura, por ela preocupar-se demais com as coisas materiais.  Ele não condena o seu trabalho, mas procura mostrar que, acima das preocupações materiais, devem existir o cuidado e a solicitude para com o lado espiritual.

Jesus indica ainda que uma só coisa é importante e indispensável: o alimento espiritual da alma.  Jesus quer a união do trabalho e da oração.  Assim será a perfeição da vida: a oração, indispensável; o trabalho, necessário.

As atitudes das duas irmãs Marta e Maria são para nós ações complementares diante do Reino.  Marta representa a atividade serviçal, o trabalho e a preocupação de cada dia, mas com o perigo que pode ter de nos roubar o tempo que necessitamos para escutar em silêncio a palavra de Deus.  Em Marta e Maria estão representados os dois caminhos através dos quais se pode servir ao Senhor.

As atividades exteriores acabam com a morte.  A união de nossa alma com Deus perdura para sempre. Maria se ocupa do único necessário: a própria salvação.  Marta quer o mesmo fim, mas se ocupa demais com o trabalho material.

Também na nossa vida cristã a oração e a ação permaneçam sempre profundamente unidas. Uma oração que não leva à ação concreta a favor do irmão pobre, doente e necessitado de ajuda, o irmão em dificuldade, é uma prece incompleta. Mas do mesmo modo, quando no serviço eclesial só prestamos atenção à ação, quando damos mais importância às coisas, às funções e às estruturas, esquecendo-nos da centralidade de Cristo, sem reservar tempo ao diálogo com Ele na oração, corremos o risco de nos servirmos a nós mesmos, e não a Deus presente no irmão necessitado.

São Bento resumia o estilo de vida que indicava aos seus monges com estas palavras: “Ora et labora”, ou seja, oração e trabalho. É da contemplação de uma forte relação de amizade com o Senhor que nasce em nós a capacidade de viver e de anunciar o amor de Deus, a sua misericórdia, a sua ternura pelo próximo. E inclusive o nosso trabalho com o irmão em necessidade, a nossa tarefa de caridade nas obras de misericórdia nos levam ao Senhor.

Muitos outros santos também experimentaram uma profunda unidade de vida entre oração e ação, entre o amor total a Deus e o amor aos irmãos. São Bernardo, que é um modelo de harmonia entre contemplação e laboriosidade, insiste precisamente na a importância do recolhimento interior e da oração para se defender dos perigos de uma atividade excessiva, independentemente da condição em que se encontra e da tarefa que está a cumprir. São Bernardo afirma que as ocupações excessivas, uma vida frenética, terminam muitas vezes por endurecer o coração e fazer sofrer o espírito (cf. BENTO XVI, Audiência geral de 25 de abril de 2012).

Não podemos perder-nos no ativismo puro, mas devemos deixar-nos penetrar sempre na nossa atividade pela luz da Palavra de Deus e assim aprender a caridade autêntica, o serviço verdadeiro ao outro, que necessita do nosso auxílio.

Nesta narração evangélica fica acentuado a vocação para o primado da vida espiritual, para a necessidade de nos alimentarmos com a Palavra de Deus, a fim de darmos luz e sabor às tarefas quotidianas.  Trata-se de um convite que é particularmente oportuno em qualquer tempo. Em ambos os casos, não há oposição entre os momentos de oração e da escuta de Deus e a atividade quotidiana e o exercício da caridade. A admoestação de Jesus a Marta frisa a prioridade que devemos dar a Deus frente as atividades cotidianas. 

As palavras de Cristo dirigidas a Marta devem encontrar eco no nosso coração. Seguindo, portanto, a eloquência dessas palavras, peçamos a Deus para que abra os nossos corações, para atentamente escutarmos as palavras do seu Filho Jesus. Que nós também possamos, no nosso trabalho reservar um tempo para o Senhor. 

Procuremos também nós ter aquilo que não nos pode ser tirado, e para que isto venha a se concretizar, peçamos também a intercessão da Virgem Maria, Mãe da escuta e do serviço, que nos ensine a meditar no nosso coração a Palavra do seu Filho, a rezar com fidelidade, ela que preferiu alimentar-se daquilo que dizia o Senhor.  E assim como Maria, saibamos também nós escutar atentamente a Palavra de Deus e colocá-la em prática, e que essa mesma Palavra de Deus possa dar sentido ao nosso agir quotidiano. Assim seja.

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ)