Na história da Igreja não se pode deixar de registrar a figura de Napoleão III, Imperador da França, que desempenhou um papel de certa importância nos assuntos da Igreja em sua época.

Este homem, que se tornou imperador da França num desses acontecimentos fortuitos da vida, era sobrinho de Napoleão Bonaparte e, ao contrário do tio que décadas antes infligira tantas humilhações ao Papado e a toda a Igreja na França, se mostrou aliado da Igreja e, mais ainda, se proclamou "Protetor da Igreja Latina". De fato, em pelo menos três ocasiões, Napoleão III fez valer o título que outorgara a si próprio e defendeu a Igreja em momentos críticos.

Não se pode dizer que Napoleão III tenha sido um exemplo de monarca ou um modelo de virtudes. Era, acima de tudo, um político que sabia tirar proveito das situações. Muitas vezes hesitante e em outras ocasiões arrojado, este monarca, uma vez no poder, exerceu a principio um governo pessoal que depois se tornou mais liberal. Para manter-se no poder procurava contentar a todos e agia segundo seus interesses pessoais. Por isso era comum mudar de lado dependendo das circunstâncias. Com isso acabava defendendo a Igreja em algumas ocasiões enquanto em outras acabava por favorecer os adversários da mesma. Contudo, merece registro a sua intervenção em favor da Igreja em pelo menos três ocasiões críticas.

A ascensão de Napoleão III ao poder, na França, foi no mínimo curiosa: depois da derrota de Napoleão Bonaparte, reinaram na França, sucessivamente, os reis Luís XVIII (1815-1824), Carlos X (1824-1830) e Luís Filipe de Orleãns (1830-1848). Em 1848, a França foi sacudida por uma revolução de caráter liberal. O Rei Luís Filipe de Orleãns abdicou e fugiu do país em 14 de fevereiro de 1848. Um Governo Provisório foi estabelecido pelos revolucionários e a República foi proclamada pela segunda vez na França. Um nova constituição foi promulgada em novembro do mesmo ano e foram marcadas as eleições para escolher um presidente da República.

Nessas eleições disputaram a presidência candidatos das mais variadas tendências políticas, desde os socialistas aos extremistas conservadores. Entre estes candidatos estava o Príncipe Luís Napoleão Bonaparte, sobrinho de Napoleão Bonaparte, que fora Imperador há quase quarenta anos antes. Os franceses cansados das crises pelas quais o país tinha passado e saudosos dos tempos de glória da era Napoleônica, acharam que somente um membro da família Bonaparte poderia restabelecer na França o prestígio perdido. Com isso, na eleição de 10 de dezembro de 1848, o Príncipe Luís Napoleão recebeu a maioria dos votos vencendo com grande facilidade a eleição presidencial.

Luís Napoleão assumiu a presidência da República Francesa e teve um bom desempenho no exercício do poder. Era por todos chamado de príncipe-presidente. Seu governo foi tão proveitoso que a Assembléia Nacional em 1851 aprovou a prorrogação de seu mandato por mais dez anos. Todavia, a partir de então começaram os choques entre a Assembléia e o príncipe-presidente que desejava uma revisão constitucional. Em 2 de dezembro de 1851, Luís Napoleão deu um golpe de Estado e dissolveu a Assembléia assumindo plenos poderes. A resistência foi esmagada e os republicanos foram presos ou exilados. Luís Napoleão estabelece uma constituição autoritária para a França. Em novembro de 1852, o presidente Luís Napoleão convoca um plebiscito que aprova o restabelecimento do Império na França. Dessa forma, respaldado pelo apoio popular, o príncipe-presidente Luís Napoleão, no dia 2 de dezembro de 1852, restaura o Império na França e se torna Imperador com o nome de Napoleão III. Começava ali o Segundo Império Francês.

Durante seu longo reinado que foi de 1852 a 1870 ( dezoito anos, portanto) alguns acontecimentos importantes ocorreram na história da Igreja. Um deles foi o episódio da aparição de Nossa Senhora à jovem Bernadete de Subirous em Lourdes, na França. Em 1854 o Papa Pio IX havia declarado o Dogma da Imaculada Conceição. Quatro anos depois, em 1858 portanto, a Virgem Maria apareceu à Bernadete na gruta de Massabièlle, na pequena cidade de Lourdes. As autoridades locais, temerosas de que os acontecimentos de Lourdes tornasse a França um alvo de chacota perante o mundo, fizeram de tudo para desacreditar os acontecimentos e impedir o afluxo de peregrinos à gruta de Massabièlle. Tendo falhado em todas as instâncias apelaram para a autoridade imperial. Então um decreto de Napoleão III determinava o fechamento da gruta e proibia a visitação dos fiéis à mesma. Pouco depois o próprio Napoleão III acabou revogando o decreto da proibição e permitiu que a mesma fosse reaberta à peregrinação depois que seu próprio filho escapara milagrosamente da morte após ser tratado com a água da gruta de Massabièlle, em Lourdes, que a sua esposa, a Imperatriz Eugênia, conseguira às escondidas.

Napoleão III depois de se envolver na guerra na Criméia (1854-1855) de onde saiu vitorioso, proclamou-se "Protetor da Igreja Latina". De fato, o monarca fez jus ao título em pelo menos três ocasiões quando se colocou ao lado da Igreja e dos cristãos. Vejamos como foi:

 

1) Intervenção francesa no Oriente: No Império Otomano o Sultão começou uma perseguição sistemática contra os cristãos. Pesados impostos eram cobrados, restrição à pratica religiosa, confisco de bens e outras arbitrariedades que faziam lembrar os piores dias de perseguição muçulmana dos tempos da Idade Média. Os cristãos do Oriente sofriam novamente nas mãos dos turcos. Diante disso Napoleão III enviou uma expedição militar ao Oriente e desembarcou as tropas francesas na Síria e no Líbano para dar proteção aos cristãos dentro do Império Otomano. Essas tropas ficaram estacionadas no Líbano e na Síria como meio de persuasão. De fato, o Sultão foi obrigado a assinar um acordo com Napoleão III pelo qual cessava as restrições aos cristãos e lhes concedia a liberdade religiosa dentro do Império Otomano.

 

2) Intervenção francesa no México: A situação interna no México em meados do século XIX  era crítica. O país estava endividado com as principais nações européias, especialmente a Inglaterra, a Espanha e a França, e não tinha como saldar suas dívidas. O país era governado pelo presidente e ditador Benito Juárez que decidiu não pagar as dívidas com as potências européias uma vez que o país estava empobrecido. A Inglaterra e a Espanha protestaram mas resignaram-se diante dos fatos. A França não. Esta exigiu o pagamento da dívida mexicana e ameaçou retaliar.

No México, Benito Juárez adotou medidas drásticas a fim de equilibrar as finanças do país. Para isso recorreu ao confisco de bens, inclusive da Igreja. Os bispos reagiram e protestaram mas o governo prosseguiu em sua política econômica. As terras da Igreja foram confiscadas. Os clérigos que protestaram foram presos. Começou então uma perseguição sistemática contra a Igreja em todo o México com o fechamento de templos e prisão de sacerdotes e religiosos que se posicionaram abertamente contra o governo. Era o pretexto que Napoleão III esperava !

Alegando a proteção dos católicos que estavam sendo perseguidos no México por Juárez, Napoleão III, em 1862, enviou a esquadra francesa através do Atlântico levando 47 mil soldados, comandados pelo General Bazaine, a fim de intervir no México. As tropas francesas depois de cruzarem o oceano conquistaram Vera Cruz e nela desembarcaram em 1862. A partir dali uma sucessão de vitórias do bem preparado exército francês sobre as tropas mexicanas de Benito Juárez deu início a conquista do México por Napoleão III. De cidade em cidade os franceses foram avançando até que Benito Juárez fugiu abandonando a capital, Cidade do México, nas mãos dos franceses que a ocuparam. Uma vez conquistado o México, Napoleão III funda ali o "Reino Católico do México". Depois restaura à Igreja os bens confiscados por Juárez, liberta os prisioneiros e restabelece a liberdade religiosa. Depois convida o Arquiduque Maximiliano Von Habsburgo, da Áustria, para ser o Imperador Católico do México, mantido pelas tropas francesas. Este aceita a oferta e segue para o México em 1864 onde assume o trono criado por Napoleão III.

Três anos depois, em 1867 os mexicanos reagiram violentamente contra a presença francesa e uma guerra de guerrilhas comandada pelo ex-presidente Juárez começou em todo o país. Os franceses eram combatidos em toda parte e resistiam. Todavia, os Estados Unidos, alegando a Doutrina Monroe (América para os Americanos), ameaçaram intervir no conflito caso os franceses não abandonassem  México. Diante disso Napoleão III, às voltas com outros problemas na Europa, ordena a retirada das tropas francesas do México abandonando o Imperador Maximiliano à própria sorte. Este recusou-se a abandonar o México e rendeu-se a Benito juárez, quando este reconquistou a capital, e foi aprisionado. Pouco depois, o infeliz Maximiliano foi justiçado e fuzilado, em Querétaro, em 1867, juntamente com seus auxiliares.

Mesmo com o retorno de Juárez ao governo, a perseguição foi abrandada. A Igreja se fortaleceu novamente mas sofreu ainda muitas restrições nas décadas seguintes com os ditadores que sucederam a Benito juárez. Uma constituição laica foi introduzida no país nas primeiras décadas do século XX  e isso trouxe muitos transtornos para a Igreja num país tradicionalmente católico como sempre foi o México.

3) Intervenção francesa em Roma: Durante o pontificado do Papa Pio IX a situação no Estado Pontifício estava crítica. A Península Itálica era fragmentada por diversos estados pequenos. Eram reinos, principados, ducados e grão ducados, além do Estado Pontifício. Aconteceu que os patriotas italianos desejavam formar Itália forte e unida e para isso era necessária a unificação de todos esses estados, inclusive do Estado Pontifício. Liderados pelo Rei Vítor Emanuel II, do Piemonte, de seu Primeiro-Ministro Camilo Cavour, e de Garibaldi, os unionistas começaram a unificação da península. Algumas adesões ocorreram de forma pacífica mas a maioria foi através de guerras onde os pequenos estados, uma vez derrotados, eram anexados. Como o Estado Pontifício estava justamente no centro da península, logo, no caminho dos patriotas italianos, precisava ser conquistado também. A princípio tentaram convencer o Papa Pio IX a cedê-lo para a formação de uma Itália unida. Ante a recusa de Pio IX, os italianos recorreram à guerra para conquistá-lo.

Pio IX tentou recorrer às grandes potências para garantir a integridade territorial de seu Estado, mas sem sucesso. Os italianos atacaram  conquistaram dois terços do Estado Pontifício. Isto significava o fim iminente do poder temporal do papa.

Foi então que Napoleão III  interveio no conflito em favor do Papa Pio IX e do Estado Pontifício. Tropas francesas, comandadas pelo General Bazaine (o mesmo que comandou a expedição ao México), foram enviadas a Roma para proteger o papa e garantir o que restava do Estado Pontifício. Mais uma vez Roma estava sob a ocupação de tropas francesas. Só que desta vez, ao contrário do que ocorreu no tempo de Napoleão Bonaparte, estavam ali para garantir o poder temporal do papa e a integridade de seu território.

A presença das tropas de Napoleão III em Roma impediu de imediato a concretização do sonho dos patriotas italianos de ver a Itália unificada. Mesmo assim os italianos não desistiram e tentaram invadir Roma mas foram derrotados e rechassados pelos voluntários do Estado Pontifício e pelas tropas francesas. O poder temporal do papa e as terras da Igreja momentaneamente estavam assegurados com a presença do exército francês e o apoio de Napoleão III.

Todavia, em julho de1870, explodiu a guerra franco-prussiana e Napoleão III precisou de suas tropas que estavam em Roma para juntarem-se ao exército francês, agora em luta contra os alemães. Era a oportunidade que os italianos esperavam. Sem o apoio das guarnições francesas, Pio IX não tinha mais como oferecer resistência. Os Italianos entraram em Roma e completaram a unificação da Itália, diante dos protestos do Papa Pio IX.

Napoleão III, o "Protetor da Igreja Latina" foi derrotado na batalha de Sedan e aprisionado pelos alemães, em  l  de setembro de 1870. Teve que abdicar ao trono e a república foi proclamada na França, dessa vez  em caráter definitivo. Esse foi o fim do Segundo Império na França. No ano de 1873, Napoleão III  veio a falecer em seu exílio na Inglaterra.