A Santa Sé publicou recentemente a Instrução Redemptionis Sacramentum. Trata-se, com efeito, de uma norma jurídica que visa a regular a aplicação da encíclica De Eucharistia. Antes de tanger a temática própria do aludido diploma legal, é mister explicar no que consiste uma instrução.  A instrução é uma espécie legislativa; tem por desiderato propiciar a observância concreta de uma lei ou de um documento magisterial. No momento da elaboração da lei, o legislador não é capaz de esmiuçar todas as circunstâncias de abrangência da norma. Por isso, amiúde é necessária a expedição de uma instrução, mormente na hipótese de encíclicas da envergadura da De Eucharistia.

Passemos a discorrer a propósito da raison d'etre da instrução em estudo. É óbvio que o motivo da prática desse ato jurídico está umbilicalmente ligado aos argumentos que justificam a encíclica De Eucharistia. Pois bem. Ultimamente, a autoridade eclesiástica tem observado uma certa "liberdade extrema" no que toca à liturgia eucarística. Estou cônscio de que o Romano Pontífice não decidiu escrever a encíclica, sem antes levar em conta as petições e influxos das Igrejas particulares ao redor do mundo. Fê-lo, contudo, no afã de salvaguardar o santíssimo sacramento da Eucaristia, que é o objeto direto da encíclica e mediato da instrução.

O capítulo primeiro da instrução normativa disciplina a regulamentação da sagrada liturgia. Deveras, alude ao código canônico. Aliás, não devemos nos esquecer de duas coisas: primeira: o código canônico é o expoente máximo do direito eclesial; segunda: a instrução em apreço está sendo estudada na tradução para o português, já  que entre  nós, lusófonos, este é o texto "oficial". De qualquer modo, no caso de um embate judicial, a língua que prevalecerá nas cortes romanas será indubitavelmente o latim. Nesta primeira parte da instrução, reiteram-se os dispositivos relativamente à competência para a ordenação da sagrada liturgia. Em princípio, a capacidade de legiferar nesta matéria pertence à Santa Sé. Reporta-se, desta feita, ao ofício das conferências episcopais de vigiar o fiel cumprimento do ritual eucarístico.

Os outros capítulos dissertam referentemente a assuntos específicos, tais como a participação dos fiéis leigos (Cap. II), a correta celebração da santa missa (Cap. III), a santa comunhão (Cap. IV) etc. Interessa-nos sobremaneira o Capítulo VIII, que apresenta os remédios para debelar os males do abuso. A este respeito, é relevante que expendamos sobre os tais abusos. Em nome da criatividade e da liberdade, alguns curas deslembram-se do missal e procedem de maneira informal, estimulando os participantes do culto a aderir a estes propósitos. Um exemplo assaz eloqüente é o costume de cambiar o texto estrito da liturgia por alguma outra expressão cunhada no comenos da celebração ou previamente "adaptada". Ora, o que a instrução quer lancetar, tornando plenamente aplicável a encíclica, é o vezo da improvisação. Creio que este hábito deletério é comum entre nós outros, no chamado Terceiro Mundo. O que está grafado nos livros litúrgicos não há de ser modificado, sob pena de se acutilar uma tradição milenar e, acima de tudo, o modo peculiar de a Igreja expressar-se. As palavras do missal foram pensadas e repensadas uma a uma. Não saíram a esmo. De fato, as redações passaram pelo crivo de especialistas e só após exaustiva análise receberam a chancela da autoridade eclesiástica.

Por fim, uma palavra derradeira acerca do espírito de delação, que, segundo o parecer de alguns canonistas, a instrução irá desencadear. Não concordo com esta tese. Afinal de contas, consoante dicção expressa do código canônico, o leigo tem o direito de denunciar quem quer que seja, quer na via executiva, quer nos meandros judiciários, encetando processo no tribunal eclesiástico. É claro que estes caminhos têm de ser mitigados, porquanto entre cristãos a caridade é a lei magna. Por esta razão, a encíclica encoraja a denúncia de atos vis a atentatórios contra a eucaristia, mas, ao mesmo tempo, admoesta-nos a agirmos com caridade. Portanto, independentemente de a instrução verberar questões de denúncia dos abusos ou não, esta é uma faculdade que o leigo possui, instituída no código canônico.

Eis, em poucas linhas, o tema agitado na instrução.

 

Autor: Dr. Edson Luiz Sampel