Ao ter se pronunciado sobre o episódio do Arcebispo de Olinda e Recife, o Vaticano foi informado que se tratava de um caso de aborto. Como a Igreja sempre se posicionou em favor da vida, deu razão ao bispo. No entanto, a reação da sociedade brasileira e em particular do Recife, foi de surpresa com a atitude do bispo. Muitas perguntas me foram feitas, as quais tento responder.

A primeira, por importância, cuida da complexidade do caso: uma criança de nove anos, grávida, em conseqüência de estupro. O que evoca violência gravíssima em razão da idade, da posição de padrasto do autor e da total ausência de compreensão do fato pela vítima. O caso, portanto, não é simplesmente de gravidez resultante de estupro, o que por si já tipifica crime hediondo contra a pessoa da vítima, mas também de crime contra a consciência moral e os valores humanos vigentes na sociedade. Qualquer adulto ou jovem se sente violentado ao pensar se o fato houvesse acontecido com uma filha, neta, irmã ou sobrinha sua. Por tal comoção social, não se trata de crime contra uma vítima, mas contra toda a sociedade, o que coloca a hipótese sob a completa tutela dos poderes constituídos, que devem lhe propor uma solução.

O estado tem plenos poderes para dar a solução ao caso concreto. Assim, a legislação brasileira permite o aborto em caso de gravidez resultante de estupro, se a mulher adulta ou os pais da adolescente, não desejarem levá-la a termo.

Mas suponhamos que o fato aconteça numa família católica, que no desespero sobre o que fazer, recorre ao bispo que lhes diz que o aborto em qualquer situação é condenável e punido com a pena de excomunhão. E mais, que se decidirem pela prática estarão automaticamente excomungados. Tudo leva a crer não foi exatamente isso o que aconteceu em Recife. O pároco de Alagoinhas, onde ocorreu o crime, em longo artigo publicado na internet, não explicou se foi convocado pela família, nem como envolveu o bispo, cuja participação poderia ter sido mais discreta, considerando-se a natureza da matéria.

Tendo-se presente que as condenações canônicas da Igreja só atingem os católicos e que o procedimento foi autorizado pelas autoridades constituídas com o consentimento da família, da mãe e do pai biológico da menina, a condenação do bispo foi desnecessária. Neste caso específico, o procedimento médico teve como objetivo salvar a vida da menina, que, pelo tamanho de seu corpo de criança, não suportaria o desenvolvimento de uma gravidez, principalmente de gêmeos. Essa foi a ratio dos profissionais de saúde e das autoridades que autorizaram o procedimento.

O bispo achou que a família da garota era humilde e que estava sofrendo pressão do Conselho Tutelar e de profissionais de saúde para realizar o aborto, por isso indignou-se com a equipe que realizou o procedimento. Nas últimas refregas entre Igreja e Estado, a Igreja tem ido a nocaute, precisamos ter prudência.

Paulo Pinto, pároco de N S de Lourdes.