Houve um tempo em que as igrejas caminhavam lado a lado com o poder. A partir de Constantino, quando o Cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano, até a primeira metade do século XX, as monarquias ocidentais, todas cristãs, cuidavam unicamente de seus palácios artisticamente decorados; casamentos e descendência negociados. Preocupavam-se com riquezas e títulos de nobreza, sangue-azul, educação refinada, etiquetas, roupas para cada ocasião. Temporada de caça, jogos e bailes faziam a alegria dos nobres. Tudo isso, durante séculos. E os súditos? Bem, os súditos, todos pobres, viviam na zona rural, trabalhavam como escravos para os senhores feudais manterem os delírios de riqueza dos nobres. E mantinham. As igrejas fundamentavam essa divisão entre nobres e plebeus, pobres e ricos, dizendo que tudo isso era vontade de Deus. Essa teologia também durou séculos. Em retribuição, a nobreza cumulava os ministros de privilégios, terras, títulos e belos salários. Esse era o direito. O dever dos religiosos era cuidar dos pobres. Enquanto os nobres cuidavam da realeza, os religiosos cuidavam dos pobres. Clero e nobreza vivam numa simbiose perfeita. A missão de cuidar dos pobres caiu como uma luva no preceito evangélico da caridade. Os missionários não poderiam encontrar uma melhor estratégia de cumprir a vontade Deus: praticando a caridade. E, assim, as igrejas se espalharam pelo mundo cuidando dos pobres. Até que um dia começou a mudar a organização social. Na prática essa mudança começou com a revolução americana de 1776 e depois com a revolução francesa de 1789. Cabeças de nobres começaram a rolar. Muitos foram pendurados em árvores. Foram os primeiros conflitos dos movimentos sociais que prepararam o regime democrático dos países ocidentais. A democracia inverteu a ordem social. Tirou a realeza e botou o povo no poder. Como não é impossível o povo exercer o poder pessoalmente, governa através de seus representantes. Todo o programa de governo da democracia está escrito na Constituição: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" (art. 5º CF). Nem deveria haver pobres e ricos se todos tivessem a chance de trabalhar e produzir e não houvesse injustiças, privilégios, corrupção e fraude à lei, pois, a democracia criou chances iguais para todos. Dentro dessas infinitas possibilidades de realização pessoal e familiar, não deveria haver tanta pobreza, muito menos miséria. Mas o povo não conhece seus direitos, não sabe o que é a democracia, nem muito menos como ela funciona. O povo é o patrão, tem o dinheiro, mas não sabe disso. O papel das igrejas numa sociedade democrática é transferir o seu saber ao povo. Esclarecer os mecanismos que regem a sociedade e as instituições sociais. O povo é o titular de todas as ações governamentais. O Brasil é um país rico, muito rico. Essa riqueza pertence ao povo brasileiro; mas por estar sob a tutela dos governantes, não beneficia os seus legítimos proprietários. As igrejas não podem se conformar em continuar praticando assistencialismo ao povo pobre. Na próxima semana eu continuo.

Paulo Pinto é pároco.