Estava caminhando quando passei em frente de uma igreja evangélica. Apesar do ruído da rua, ouvi o pastor afirmar em alto de bom som, que os freqüentadores de "terreiros" queimarão vivos no fogo do inferno. Continuei a caminhar e me vieram dois assuntos à cabeça. Monoteísmo e tragédia humana. Não parece, mas são duas realidades intimamente ligadas. O Cristianismo, religião monoteísta, sempre foi muito intolerante com outras tradições religiosas. Na época em que todo o Ocidente era exclusivamente cristão, admitia-se tal concepção, mas hoje, em que não existe mais essa hegemonia religiosa cristã, soa agressivo ou até anticristão, fazer discursos condenando outras tradições religiosas. Especialmente com as conquistas de uma sociedade democrática, em que todas as pessoas têm o direito de professar a crença que se identifica com suas aspirações religiosas. Tal postura traz conseqüências, pois os ofendidos podem ajuizar ações por danos morais e desrespeito à liberdade religiosa do cidadão. Além disso, o Cristianismo não condena a ninguém. Muito ao contrário, propõe os caminhos indicados por Cristo, como proposta de conversão, mas se abstém de exercer juízos condenatórios. Cristo propõe a conversão e o perdão. Quando alguém se arvora em juiz implacável do próximo demonstra sua incompetência em dar o bom exemplo a fim de que os que se encontram no erro adotem a verdade. Noutro sentido, o Cristianismo propõe um Deus único e sumamente bom, que criou a todos e ama infinitamente os seus filhos. Mas se Deus é tão bom e todo poderoso, porque permite os tsunamis, terremotos e desabamentos, catástrofes naturais que ceifam milhões de vidas de pessoas inocentes, inclusive crianças? Não seria melhor nós sermos mais tolerantes com outras tradições religiosas a fim de podermos botar a culpa nos outros "deuses" por tanto sofrimento? Ora, se só existe um único Deus, que é bom e quer o bem de todos nós: Por que - perguntou uma idosa que perdeu toda a família no desabamento em Niterói -, Ele não me afastou desse sofrimento? Aqueles religiosos que têm verdadeira vocação à vida de ministro aprofundam essas questões. Estudam a Bíblia em grupos, fazem a exegese dos textos sagrados à luz dos comentários dos doutores e dão satisfação de suas vidas à Deus. Quando assim agem, aprendem a falar com prudência, mas sobretudo, respeitam todas as pessoas, porque sabem que todas foram criadas por Deus. Pode até acontecer que pessoas que não comungam a nossa fé cristã sejam mais santas, educadas e honestas do que nós cristãos, que muitas vezes manipulamos os textos sagrados ao prazer dos nossos próprios interesses, sem nenhum respeito pela santidade de Deus, que haverá de nos punir por tomar o santo nome de Deus em vão.

Paulo Pinto é pároco.