Em meio às festas de fim de ano, Goiânia celebrou aquilo que poderia ser chamado de casamento do ano. Tinha todos os ingredientes. Duas famílias cheias de profissionais liberais bem sucedidos, fazendeiros, industriais, gente importante e influente. Brasília estava representada por vários ministros, deputados, senadores. Socialites de várias partes do país foram convidados. A igreja, reduto de casamentos ricos, estava ricamente ornamentada. Três horas antes do casório a agitação já era grande. Tudo tinha que estar perfeito quando a pequena multidão de gente graúda e famosa começasse a chegar. E eles foram chegando. Havia até um tapete vermelho para evitar que pusessem os pés no paralelepípedo da famosa rua do centro histórico. Cercas improvisadas mantinham a multidão curiosa à distância. Jornalistas, fotógrafos, cinegrafistas, cineastas, registravam todo o burburinho. O efeito dos refletores coloridos colocados à base das paredes da matriz e nos jardins do largo em volta do templo realçava o tom natalino e o glamour das grandes festas, enchendo os olhos de todos. Pouco a pouco a igreja foi sendo tomada pelos lugares cuidadosamente reservados e nomeados pelo cerimonial, pelos educados, sorridentes e elegantes convidados. Na sacristia o padre agitava-se diante do enorme espelho emoldurado por anjos artisticamente pintados em óleo sobre tela. Procurava ele entre os riquíssimos ornamentos brocados em ouro, o que mais se harmonizava com os tons da ornamentação da igreja e os detalhes do vestido da noiva. Ele teve o privilégio de ver o vestido da noiva antes de todos, pois aceitou gentilmente hospedara-se na casa da família, que o trouxera do interior do Estado especialmente para presidir a cerimônia de casamento. O órgão centenário começou a tocar as primeiras notas celestiais da marcha nupcial, que ecoaram pela igreja enchendo a todos de emoção. Toda a multidão ficou de pé e voltou-se para a porta à expectativa da noiva. Era verdadeiramente um momento sublime. Quando ela aproximou-se do altar trazida pelo pai e o noivo desceu para recebê-la, todos os corações aceleraram de emoção. Os dois formavam o casal perfeito. Ela com vestido longo branco de belíssimo estilo confeccionado sob medida numa casa européia e ele de fraque marrom escuro à moda dos nobres modernos. O padre leu o texto de São Paulo sobre o amor perfeito. Em seguida virou-se para o noivo e disse: "Meu filho, você é jovem e belo. Mas para atingir a perfeição do amor precisa largar suas bebedeiras. Deixar essa vida de playboy endinheirado, tomar juízo e virar um homem. Terá que trabalhar. Dinheiro acaba. Os pais morrem. Os bens materiais são reduzidos à cinzas. Deus pune os preguiçosos, os infiéis e os desregrados. Você terá que se converter, largando a vida de farras e fantasias que leva". Todos estavam paralisados, atônitos, hipnotizados, enrijecidos. Era como se uma nuvem gelada tivesse petrificado a todos. A procissão de saída mais parecia um funeral. Quando o cortejo chegou à porta, o noivo virou-se, olhou para a noiva e deu-lhe um soco jogando-a no chão. Casamento acabou ali. O padre fez o discurso a pedido da mãe da noiva.

Paulo Pinto é pároco.