Concelebrei no domingo 20, a missa de corpo presente do padre assassinado. Dentro daquele ginásio coberto de zinco e com tantas pessoas do bairro e de outros lugares da cidade, a temperatura beirava os 40 graus, mais ninguém arredou o pé. Ninguém sentiu o tempo passar, tamanha era a comoção. Quando dom Sebastião falava, seu discurso foi interrompido inúmeras vezes por calorosas palmas. O padre é uma figura que se incorporou de tal forma à cultura e ao inconsciente coletivo do povo brasileiro que quando uma tragédia atinge um deles, sentimos como se também tivéssemos sido atingidos. Vi pessoas chorarem copiosamente como se tivessem perdido seu próprio pai ou outra pessoa amada. Mas a dor é maior quando a perda é trágica. Mesmo quando a morte é natural não a aceitamos. O ser humano está criado para a vida. Toda a dinâmica existencial física e psíquica, o empurra para a vida. Os seres humanos jamais aceitaram a morte, mesmo quando o corpo, envelhecido, não quer mais viver. Os egípcios criaram imensas câmaras mortuárias para preservar o corpo material e todas as jóias que o adornavam em vida, para que continuassem belos após a morte. Os reis da dinastia Ming enterravam os corpos dos nobres com miniaturas feitas de barro de todos os seus servos para simular que aquela pessoa continuaria normalmente sua vida, após a morte.

Nós cristãos, não precisaremos nem das jóias nem dos servos. O paraíso não se conquista com bens materiais, mas com a beleza da nossa existência. Como Jesus, os cristãos devem passar a vida fazendo o bem. Não existe nada mais urgente a fazer no mundo caótico em que vivemos. Foi justamente isso que o padre missionário Ruggero Ruvoletto, veio fazer: o bem. Desde cedo muito me impressionou a vocação desses homens de Deus para servir o nosso povo. Deixaram suas terras, suas culturas, o seu clima, as suas famílias e os seus sonhos juvenis, para se aventurarem na nossa distante Amazônia, lugar, onde, mesmo que se comprove que é vital para a sobrevivência do planeta, 99% dos brasileiros não querem viver. Mas eles adotaram como sua pátria. Esses missionários não vieram pregar simplesmente a fé católica, mas o evangelho da promoção humana. Padre Ruggero queria resgatar as pessoas da letargia em que vivem para fazê-las construtoras do seu próprio futuro. Não haverá educação e saúde para todos, se todos não se emprenharem em conquistá-las. Em última análise, é pela reivindicação dos direitos básicos que transformamos a sociedade. Dizia que não se deve apenas rezar. Também devemos trabalhar por um mundo melhor. Mas afirmava que a oração nos conduz à prática do bem. Se alguém reza, tem-se certeza de que as suas obras serão boas, porque quem está com Deus, faz o bem. Eis o missionário, anônimo, conhecido apenas de poucas pessoas, mas muito amigo de Deus. Ninguém deixa a sua terra e o conforto de sua família, para se dedicar aos pobres do 3º mundo, se Deus não estiver como ele.  Que o sacrifício da vida dele intimide o egoísmo das nossas vidas.

Paulo Pinto é pároco de NS de Lourdes no Parque Dez.