Eles eram dois bons pedreiros. Com eles construí e reformei igrejas. Responsáveis, eram cuidadosos no acabamento. Um dia, um deles me procurou para conversar sobre outro assunto. Queria fundar uma igreja, mas tinha estudado só até o 2º ano primário. Apesar disso, sabia ler muito bem. Dei-lhe aulas de Bíblia. Aprendeu onde e quando os livros foram escritos. Quem os escreveu. Qual o pano de fundo histórico, social e político que moveu os escritores. O que ocupava os corações dos homens e mulheres daqueles tempos. Em que trabalhavam. Como estava dividida a humanidade. Quais eram as grandes civilizações da época. Como os grupos humanos se relacionavam. E nesse palco histórico, como e o porquê Deus se havia revelado.

Transformamos a Bíblia numa árvore e estudamos desde as raízes até as folhas mais recentes. A essa altura, os dois já eram alunos atentos. Comparamos a Bíblia ao corpo humano, um conjunto de órgãos harmônicos que dá vida à pessoa e permite o desabrochar da inteligência. Assim, o macro-universo e os seres humanos dão vida à inteligência divina, que com criatividade e paciência se esforça para transformar homens em anjos. Meus alunos aprenderam tudo, tão ávidos estavam do saber divino. E, enquanto construíam um galpão, onde começaram os seus ministérios, assistiam infalivelmente à minha missa das 6 da manhã de domingo, para aprenderem a construir os vários possíveis caminhos de uma exegese bíblica; quando se pode seguir uma interpretação histórica, antropológica, soteriológica, teológica, moral, ética, etc. No início, trabalhavam juntos, com as mulheres e os filhos; depois, cada um construiu o seu próprio templo. Levaram-me para ver as obras e dar sugestões. Disse-lhes que igrejas têm que ser grandes e bonitas, bem construídas, suntuosas se  possível. O povo não gosta de prédios feios, mal acabados e acanhados. Dentro do templo o povo quer ter conforto, sentir-se elevado espiritualmente pelo ambiente limpo, decorado, artisticamente acabado. Quanto mais gostam, mais ajudam; fazem verdadeiros sacrifícios para ajudar a igreja.

Em pouco tempo cada um construiu o seu próprio templo. Atualmente, cada um deles administra vários templos. Ficaram ricos. Lembro-me quando ia buscar as ferramentas de trabalho na casa deles, que moravam vizinhos um do outro num bairro pobre. Hoje, moram em bairro nobre, trafegam em grandes caminhonetas importadas, alugam vários imóveis. A fé pode dar lucro para quem pratica a religião como ciência. Os dois irmãos pedreiros, apesar de não terem ido além do ensino primário, eram inteligentes e tiverem a capacidade de perceber que o mercado religioso era um bom negócio. E, aprenderam com humildade. Sabiam que não sabiam e estudaram. Como não tinham tempo para passar dez anos estudando no Instituto Bíblico de Jerusalém, iam às missas e tomavam aulas particulares. Ganharam dinheiro com mérito. Ao contrário, muitos acham que lendo a Bíblia em português, sabem o que foi escrito em hebraico, aramaico ou grego. São os assaltantes do templo.

Paulo Pinto é pároco.