A prática evangelizadora de Jesus reveleda nos Evangelhos

Carlos Mesters, oc

Brasil

Jesus é a fonte e o modelo da ação evangelizadora dos cristãos. Como tal ele nos é apresentado nos Evangelhos. Os Evangelhos descrevem como Jesus, após trinta anos de convivência e de trabalho em Nazaré, anunciou a Boa Nova de Deus ao povo do seu tempo. Qual foi a prática que Jesus adotou para realizar sua missão evangelizadora? Qual foi o conteúdo? Qual a finalidade? Qual a fonte da Boa Nova do Reino? No que segue, queremos responder a estas quatro perguntas.

  1. A prática evangelizadora de Jesus

Os estudos históricos mostram e os Evangelhos e confirmam: Jesus vivia em uma época profundamente conflitiva, num país irremediavelmente dividido. Havia fome, pobreza e muita doença; havia gente explorada por um sistema injusto (Lc 22,25), com desemprego, empobrecimento e endividamento crescentes (Mt 6,12; 18,24. 28-34; 20,3.6; Lc 16,5); havia classes altas, comprometidas com os romanos na exploração do povo (Jo 11,47-48; Lc 20,47) e poderosos ricos que não se importavam com a pobreza dos irmãos (Lc 15,16; 16,20-21); e havia grupos de oposição aos romanos que se identificavam com as aspirações do povo (At 5,36-37); havia muitos conflitos e tensões sociais (Mc 15,6; Mt 24,23-24) com repressão sangrenta que matava sem piedade (Lc 13,1); havia a religião oficial. Ambígua e opressora, organizada em torno da sinagoga e do templo (Mt 23,4.23-32; Mt 21,13); e havia a piedade confusa e resistente dos pobres com suas devoções, romarias e práticas seculares (Mt 11,25; 21,8-9; Lc 2,41; 21,2). Numa palavra, havia conflitos nos vários níveis da vida da nação: econômico, social, político, ideológico, religioso. O povo estava sem condições de reencontrar a unidade.

Jesus não se manteve neutro. Em Nome de Deus, tomou posição. Assim. Através da sua atitude, a Boa Nova de Deus se fez presente na vida do povo. O anúncio da Boa Nova, é antes de tudo, uma nova prática, fruto da experiência que Jesus tinha do Pai e que o levava a tomar determinadas atitudes. Seria longo demais descrever todos os aspectos da prática evangelizadora de Jesus. Enumeramos apenas os mais importantes e os mis evidentes.

Nos três anos de sua vida itinerante, Jesus conviveu a maior parte do tempo com aqueles que não tinham um lugar dentro do sistema social e religioso da época. Ele passou a ser conhecido como "o amigo dos publicanos e dos pecadores" (Mt 11,19). Acolhia os que não eram acolhidos: os imorais (prostitutas e pecadores), os hereges (samaritanos e pagãos), os impuros (leprosos e possessos), os marginalizados (mulheres, crianças, doentes de todo tipo), os colaboradores (publicanos e soldados), os fracos (o povo da terra e os pobres sem poder). Jesus falava para todos. Não excluía ninguém. Mas falava a partir dos pobres e dos marginalizados.

O apelo que resulta desta atitude evangelizadora é muito claro: não era possível alguém ser amigo de Jesus e, ao mesmo tempo, continuar apoiando o sistema que marginalizava tanta gente em Nome de Deus. De fato, Nicodemos (Jo 7,52), José de Arimatéia (Mt 27,57-58) e Zaqueu (Lc 19,8) sentiram na carne o que quer dizer romper com o sistema em que estava, inseridos, e aderir a Jesus. O próprio Jesus, por causa dessa atitude que acolhia os marginalizados, entrou em conflito com os grupos de liderança da sociedade: os fariseus, os escribas, os saduceus, os herodianos, os romanos. Este conflito foi a cauda da sua morte (Mc 3,6).

No meio do povo, havia muitas divisões, mantidas em nome de Deus pela própria religião oficial. Elas contradizem a vontade do Pai. Jesus criticou estas divisões e as combateu através da sua maneira de viver e de agir. Por exemplo, as divisões entre próximo e não-próximo (Lc 10,29-37), entre santo e pecador (Mc 2,15-17), entre puro e impuro (Mc 7,1-23), entre judeu e estrangeiro (Mt 15,21-28). Condenando estas divisões, Jesus relativizava e sacudia as pilastras do sistema religioso: o templo, o sábado, as obras santas (jejum, esmola, oração), a pureza legal. Sua prática evangelizadora incomodava profundamente os homens do poder.

Por outro lado, ele convidava e provocava as pessoas a se definirem em face dos valores fundamentais da vida humana e do Projeto de Deus: justiça, fraternidade, amor, misericórdia, partilha, honestidade. O sistema religioso da época não dava atenção a estes valores. Alguns aceitaram o convite de Jesus, outros o rejeitaram. Assim Jesus se tornou fonte de novas divisões (Mt 10,34-36) e sinal de contradição no meio do povo (Lc 2,34).

Jesus não teve medo de denunciar a hipocrisia dos líderes religiosos da época: sacerdotes, escribas e fariseus (Mt 21,1-36; Lc 11,37-52; Mc 11,15-18). Condenou a pretensão dos ricos e não acreditava muita ma sua conversão (Lc 16,31; 6,24; Mt 6,24; Mc 18,24-27; 12,13-21). Diante das ameaças dos representantes do poder político, seja dos judeus como dos romanos, Jesus não se intimidava e mantinha uma atitude de grande liberdade (Lc 13,32; 23,9; Jo 19,11; 18,23).

Deus criou a vida e a abençoou (Gn 1,28). Por própria culpa, a humanidade perdeu a bênção e atraiu sobre si a maldição (Gn 3,14-14). Deus interveio e chamou Abraão para ser pai de um povo com a missão de recuperar a benção perdida não só para si e sua própria família, mas também para todas as famílias da terra (Gn 12,3).

Jesus retomou a vocação inicial do povo de Abraão e tentou recuperar a bênção para a vida humana. Ele disse: "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância" (Jo 10,10). Por isso faz parte da prática evangelizadora de Jesus libertar a vida de todos os males que a oprimiam e marginalizavam. Assim ao longo dos três anos da sua vida pública, ele enfrentou e combateu a fome (Mc 6,35-44), a doença (Mc 1,29-34), a tristeza (Lc 7,13; Mt 5,5), a ignorância (Mc 1,27), o abandono (Mt 9,36), a solidão (Mc 1,40-41; 5,34), a letra que mata (Mc 3,4. Mt 5,38-42), as leis opressoras (Mc 7,8-13), a injustiça (Mt 5,20), o medo (Mc 6,50), o sofrimento (Mc 6,55-56), o pecado (Mc 2,5) a morte (Mc 5,41-42; Lc 14,1-8). Ele combateu e expulsou o demônio, o príncipe dos males. Pois "desde o começo não era assim" (Mt 19,8).

A novidade da prática evangelizadora de Jesus transparece, sobretudo no novo jeito que ele tem de se relacionar com as pessoas e de ensinar as coisas: Sá atenção às pessoas sem fazer distinção (Mt 22,16); ensina em qualquer lugar, acolhe todos como ouvintes e permite que mulheres o sigam com discípulas (Lc 8,1-3; Mc 15,41); usa linguagem simples em forma de parábolas; reflete a partir dos fatos da vida (Lc 21,1-4; 13,1-5; Mt 6,26); confronta os discípulos com os problemas do povo (Mc 6,37); ensina com autoridade sem citar "autoridades" (Mc 1,22); apresenta crianças como professoras de adultos (Mt 18,3); sendo livre, comunica liberdade aos que o cercam (Jo 8,32-36), e estes, por sua vez, criam coragem para transgredir tradições caducas (Mt 12,1-8). Jesus vive o que ensina; passa noites em oração (Lc 5,16; 6,12; 9,18.28; 22,41) e suscita nos outros a vontade de rezar Lc (11,1).

A prática de Jesus revela uma nova visão das coisas, um novo ponto de partida, uma nova ordem. Os valores básicos dessa nova ordem aparecem encarnados na pequena comunidade itinerante que se formou ao seu redor. Eis alguns deles: partilha dos bens ou caixa comum (Jo 13,29); igualdade básica de todos: "Vocês todos são irmãos" (Mt 23,8-10); poder como serviço: "Quem quiser ser o primeiro seja o servidor de todos" (Mc 9,35; Mt 20,24-28); Jo 13,14; Mt 23,11); convivência amiga a ponto de não ter mais segredos (Jo 15,15); novo relacionamento homem-mulher (Mt 19,1-9).

Estes pontos nos dão uma idéia de como era a prática evangelizadora de Jesus. Nela se revela a experiência que ele mesmo tinha do Pai. Através do gesto e da atitude de Jesus, o povo se dava conta de que o Deus de Jesus era diferente do deus dos escribas. Através da prática de Jesus, Deus se tornou uma Boa Nova para o povo.

  1. Um resumo do conteúdo da Boa Nova do Reino

O Evangelho de Marcos oferece o seguinte resumo do conteúdo da Boa Nova de Jesus: "Depois que João foi preso, veio Jesus para a Galiléia proclamando o Evangelho de Deus! Esgotou-se o prazo, o Reino de Deus chegou! Mudem de vida e acreditem na Boa Nova" (Mc 1,14-15).

Vamos meditar cada um destes quatro pontos: "Esgotou-se o prazo! O Reino de Deus chegou! Mudem de vida! Acreditem na Boa Nova!".