por Mauro José Ramos

Estávamos todos numa capela pequena do litoral, dessas que a porta dá para o mar. Dessas que a praia e a sacristia dividem a mesma areia. Estava cheia. Alguns celebravam e outros, assim como eu, apenas estavam.

Do meu lugar conseguia ver costas, cabeças e cores. O colorido sóbrio de roupa de missa. Olhávamos na mesma direção, mas nem todos enxergavam as mesmas coisas. Da minha parte, além de costas, cabeças e cores, via o padre, somente via.

As crianças eram as únicas a desafiarem a ordem estabelecida naquele recinto. Graças a Deus! Crianças são intensas, autenticas e sábias. As de colo, além de olharem para todas as direções, buscando novidades, suas maozinhas agarravam tudo: cabelos, bolsas, roupas e atenção. As de chão, acreditando-se adultos, lutavam contra a infância para se manterem quietos. Em tanto esforço. Bastava um descuido dos pais, ou um barulho extraordinário e pronto. Kairós! Buscavam curiosos a graça.

Foi num destes instantes divinos que os meus olhos se encontraram com os olhinhos de um destes pequenos. E numa cumplicidade sublime, digna apenas dos anjos, ganhei uma piscadinha acompanhada de um sorriso. Antecipamos o rito!

Tentei segurar nas mãos a plenitude daquele momento, mas o pleno não se pega, se sente. Me restou apenas o recurso de fechar os olhos e tentar ver de novo aquele olhar. Senti saudades... A saudade é portadora do belo. Me acalmei. Entendi.

A graça é surpreendente! Deus é surpreendente! A beleza é surpreendente! Mesmo antes da consagração do pão, comunguei. Surpreendente!